SÃO JOÃO É NO TABOCAL! BÃO SEM BAZ!

O SER-TÃO EM SIMPLES CENÁRIOS

Morador de grandes distâncias: um vaqueiro grita o gado enquanto a bicharada entoa seu canto; Um caboclo assunta sua roça, a mulher recolhe ao abrigo uma galinha com seus pintinhos. Casa de barro, vizinha de João de barro, aconchego de abraço; Quintal de menino correr descalço e cachorro curtir preguiça; Varanda comprida, que nem as prosas que nela se proseiam; Casa, com tristeza que faz sala, que assunta, que espia; tristeza que desabafa, que faz companhia; tristeza que até alegra. Moça de simples enfeites, de acanhados gestos: sentimentos profundos; esperança de tantos, expectativa de quem observa, projetos e sonhos vão longe. Rezas chorosas, novenas festivas, fé de tradição; esperança no além, confiança de filho, se não for, amém. Orquestra de passarinho, pio de viola, notícia de rádio de pilha. Comida boa: no fogão à lenha, o sabor e o cheiro ganham consistência; Ora carne de lata, ora frango caipira e angu, ora moqueca de peixe; Panela de ferro, farofa de torresmo, ovo frito, feijão com arroz. O leite se tira, o coalho se põe, Com muito aperto e com muito jeito, e tem-se o queijo. Um forno à lenha a esquentar, uma gamela com massa a curtir, menino a se abeirar, saco de biscoito a se encher. Descascar mandioca, torrar farinha: bejú quentinho. Ao longe um carro de boi a cantar, um engenho de madeira a gemer, um tacho a ferver e rapadura para se enformar. A fonte d’água: córrego de bicho se ajuntar, de canavial se plantar; poço de socó bulir, de piaba pular, de cabaça se encher e de banho se tomar. Tabocal, taboa verde cresce, taboado, taboal. Tá boa de apreciar, tá boa de garça e saracura se ajuntar. Caminhos: estrada poeirenta, lamacenta, de cavaleiro, de charreteiro, e também de quem não tem meios; Estrada que leva e traz, estrada de quem, ao sair, olha pra trás; Estrada que fechando passagem, abre um horizonte de saudade. Traia de andarilho, alma de missionário, fé de lavrador, coragem de vaqueiro; Vôo de papagaio-lôro, alma de menino-homem, bagagem de se caber em alforge. Francisco, o Cristo a chorar, caminha. A São Francisco chora os angicos que na sua infância tinha. O São Francisco corre choroso. Aceno de não sei quê? Passo de não sei até onde? Sonhos que escondem outro mundo? Cenas que o ser-tão guarda. O vale se sempre se verá, sempre se ouvirá, sempre se sentirá. É quanto o ser-tão vale.
Wederson, outubro de 2015

Tabocal é assim...

Era um cenário. Não. Era o cenário. O ano era 1983 ou 4 ou 5 – a data certinha num lembrava, também não precisava, bastavam os idos. O “Gerais” era a geografia de lá. Pr’aquilo ele servia que nem um ninhozinho de garricha a proteger coisa preciosa.
Córrego do Tabocal. Chegava-se por um caminhozinho – trilha de gado ir beber água. Ao longe já se avistava a pequena faixa de mata verde em meio ao amarelo e cinza do sertão. O caminhozinho ia dar na faixa de mato.

Enfim o barranco do córrego e lá estava...

À vista: pequeno e faceiro; sábio (pressa pouca), em meio a pedras, pedrinhas, pedregulhos, toás, areias, barros e lamas, corriam suas águas transparentes (brancas quando caíam de alguma alturinha qualquer). E a grama que rodeava, acompanhando o mesmo rumo, embora sem a mesma disposição. Rasteirinha (“grama de burro” pastada por éguas preguiçosas). Pontilhavam-na florzinhas discretas, matinhos, em sua maioria anônimos, e a teimosa tiririca que ali posava de dona da casa.

Ao pé do barranco oposto, a hortinha. Coisa pouca: dois canteiros de cebolinha, dois de alho, um de coentro, um de alface. Aqui e acolá, entremeando em covas, pés de quiabo, de couve, algum milho, mostarda, e só. A hortinha era o toque humano que, de tão natural, parecia ser obra manual do Criador.

Se aquele sossego merecia trilha sonora? Nem precisava. Mas tinha. Um ou dois cantados de grilo, um vôo rasteiro de juriti, um joão-de-barro avisando de sua presença, alguma piaba a pular pra fora d´água, algum socó a bulir no poço, um bem-te-vi contando o que por último avistara naquele dia. E pro arremate, ao longe, atravessando capoeiras e serras, um berrado de bezerro dengoso. Áh! E um galo a dar sinal de viv’alma nas redondezas (é que galo só canta de tardezinha se se está a recolher-se em poleiro ou coisa que o valha, do contrário, atrairia predador).

Ia já flutuando pra longe!

Tinha também um perfumado. Verdearoma. Não. Não era só cheiro de relva. De tardinha parece que o cheiro do gado, do esterco, dá de caçar as baixadas. Aí sim, misturado com a poeira do sertão, mais a lama escura, mais o cheirinho de horta, vira aroma irreproduzível. Quase inebriante.

Não bastasse ver, ouvir e cheirar aquele pequeno orbe, podia-se provar dele, adentrá-lo. Pisar a grama fria, depois a lama mais fria ainda, e por fim, a água transparente e quase gelada. Dava vontade de que aquilo se incorporasse na gente. Aquilo dava mesmo prazer.

E a hortinha. Esta parecia uma criança convidando pra brincar. Molhá-la com prato velho de esmalte era como dar banho em criança levada – com água até no joelho, a molhar-se também. Dava gosto ver os cabelos (digo, as folhinhas) escorrendo aquela águinha regrada. Revolver a terra do canteiro com as mãos parecia estar-se a refazer o gesto de Deus quando criou o primeiro homem.

Ao longe, no poente, a criação sendo contemplada. Também o sol a observar tudo. A sorrir. O sol brilhante sem ofuscar, com dó de se pôr, mas sem poder atrasar o repouso da natureza. Via-se que tudo era bom e era mesmo de se admirar. A flor do amor tinha mesmo vários nomes.

Wederson Ramos de Almeida
27/07/2010