Era um cenário. Não. Era o cenário. O ano era 1983 ou 4 ou 5 – a data certinha num lembrava, também não precisava, bastavam os idos. O “Gerais” era a geografia de lá. Pr’aquilo ele servia que nem um ninhozinho de garricha a proteger coisa preciosa.
Córrego do Tabocal. Chegava-se por um caminhozinho – trilha de gado ir beber água. Ao longe já se avistava a pequena faixa de mata verde em meio ao amarelo e cinza do sertão. O caminhozinho ia dar na faixa de mato.
Enfim o barranco do córrego e lá estava...
À vista: pequeno e faceiro; sábio (pressa pouca), em meio a pedras, pedrinhas, pedregulhos, toás, areias, barros e lamas, corriam suas águas transparentes (brancas quando caíam de alguma alturinha qualquer). E a grama que rodeava, acompanhando o mesmo rumo, embora sem a mesma disposição. Rasteirinha (“grama de burro” pastada por éguas preguiçosas). Pontilhavam-na florzinhas discretas, matinhos, em sua maioria anônimos, e a teimosa tiririca que ali posava de dona da casa.
Ao pé do barranco oposto, a hortinha. Coisa pouca: dois canteiros de cebolinha, dois de alho, um de coentro, um de alface. Aqui e acolá, entremeando em covas, pés de quiabo, de couve, algum milho, mostarda, e só. A hortinha era o toque humano que, de tão natural, parecia ser obra manual do Criador.
Se aquele sossego merecia trilha sonora? Nem precisava. Mas tinha. Um ou dois cantados de grilo, um vôo rasteiro de juriti, um joão-de-barro avisando de sua presença, alguma piaba a pular pra fora d´água, algum socó a bulir no poço, um bem-te-vi contando o que por último avistara naquele dia. E pro arremate, ao longe, atravessando capoeiras e serras, um berrado de bezerro dengoso. Áh! E um galo a dar sinal de viv’alma nas redondezas (é que galo só canta de tardezinha se se está a recolher-se em poleiro ou coisa que o valha, do contrário, atrairia predador).
Ia já flutuando pra longe!
Tinha também um perfumado. Verdearoma. Não. Não era só cheiro de relva. De tardinha parece que o cheiro do gado, do esterco, dá de caçar as baixadas. Aí sim, misturado com a poeira do sertão, mais a lama escura, mais o cheirinho de horta, vira aroma irreproduzível. Quase inebriante.
Não bastasse ver, ouvir e cheirar aquele pequeno orbe, podia-se provar dele, adentrá-lo. Pisar a grama fria, depois a lama mais fria ainda, e por fim, a água transparente e quase gelada. Dava vontade de que aquilo se incorporasse na gente. Aquilo dava mesmo prazer.
E a hortinha. Esta parecia uma criança convidando pra brincar. Molhá-la com prato velho de esmalte era como dar banho em criança levada – com água até no joelho, a molhar-se também. Dava gosto ver os cabelos (digo, as folhinhas) escorrendo aquela águinha regrada. Revolver a terra do canteiro com as mãos parecia estar-se a refazer o gesto de Deus quando criou o primeiro homem.
Ao longe, no poente, a criação sendo contemplada. Também o sol a observar tudo. A sorrir. O sol brilhante sem ofuscar, com dó de se pôr, mas sem poder atrasar o repouso da natureza. Via-se que tudo era bom e era mesmo de se admirar. A flor do amor tinha mesmo vários nomes.
Wederson Ramos de Almeida
27/07/2010
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