Wederson, outubro de 2015
O SER-TÃO EM SIMPLES CENÁRIOS
Morador de grandes distâncias: um vaqueiro grita o gado enquanto a bicharada entoa seu
canto;
Um caboclo assunta sua roça, a mulher recolhe ao abrigo uma galinha com seus pintinhos.
Casa de barro, vizinha de João de barro, aconchego de abraço;
Quintal de menino correr descalço e cachorro curtir preguiça;
Varanda comprida, que nem as prosas que nela se proseiam;
Casa, com tristeza que faz sala, que assunta, que espia; tristeza que desabafa, que faz
companhia; tristeza que até alegra.
Moça de simples enfeites, de acanhados gestos: sentimentos profundos; esperança de
tantos, expectativa de quem observa, projetos e sonhos vão longe.
Rezas chorosas, novenas festivas, fé de tradição; esperança no além, confiança de filho,
se não for, amém.
Orquestra de passarinho, pio de viola, notícia de rádio de pilha.
Comida boa: no fogão à lenha, o sabor e o cheiro ganham consistência;
Ora carne de lata, ora frango caipira e angu, ora moqueca de peixe;
Panela de ferro, farofa de torresmo, ovo frito, feijão com arroz.
O leite se tira, o coalho se põe,
Com muito aperto e com muito jeito, e tem-se o queijo.
Um forno à lenha a esquentar, uma gamela com massa a curtir, menino a se abeirar, saco
de biscoito a se encher.
Descascar mandioca, torrar farinha: bejú quentinho.
Ao longe um carro de boi a cantar, um engenho de madeira a gemer, um tacho a ferver e
rapadura para se enformar.
A fonte d’água: córrego de bicho se ajuntar, de canavial se plantar; poço de socó bulir, de
piaba pular, de cabaça se encher e de banho se tomar.
Tabocal, taboa verde cresce, taboado, taboal. Tá boa de apreciar, tá boa de garça e
saracura se ajuntar.
Caminhos: estrada poeirenta, lamacenta, de cavaleiro, de charreteiro, e também de quem
não tem meios;
Estrada que leva e traz, estrada de quem, ao sair, olha pra trás;
Estrada que fechando passagem, abre um horizonte de saudade.
Traia de andarilho, alma de missionário, fé de lavrador, coragem de vaqueiro;
Vôo de papagaio-lôro, alma de menino-homem, bagagem de se caber em alforge.
Francisco, o Cristo a chorar, caminha. A São Francisco chora os angicos que na sua
infância tinha. O São Francisco corre choroso.
Aceno de não sei quê? Passo de não sei até onde? Sonhos que escondem outro mundo?
Cenas que o ser-tão guarda.
O vale se sempre se verá, sempre se ouvirá, sempre se sentirá. É quanto o ser-tão vale.
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